Agricultura: é hora de começar a fazer diferente

O desenvolvimento sustentável, com base na preservação e recuperação do capital natural, com o intuito de aumentar a absorção de CO2, e a promoção da economia com base no respeito de princípios favoráveis à biodiversidade são alguns dos principais compromissos da estratégia da União Europeia para a próxima década.

No nosso país, na apresentação “Terra Futura – Agenda da Inovação para a Agricultura 2030”, realizada no passado dia 11 de setembro pela Ministra da Agricultura, salientou-se a importância do crescimento da agricultura através da inovação, o papel do cidadão por via da consciencialização com a alimentação, a proteção do planeta e a conservação dos recursos naturais, bem como o papel do Estado na promoção e apoio à agricultura.

Foram também elencados os grandes desafios com os quais a agricultura se depara atualmente, como as alterações climáticas, a escassez de recursos naturais, a alteração dos padrões de consumo, o envelhecimento da população e o despovoamento nas zonas rurais. Reconhecemos que, para que estes desafios possam ser vencidos, é necessária uma colaboração multissectorial, na qual a agricultura terá um papel fundamental como elemento agregador, mas não poderá ser o único ator a intervir.

O Ministério da Agricultura assumiu, ainda, o aumento em 60% das verbas em investigação e desenvolvimento. É agora necessária atenção redobrada na implementação destas medidas, de modo a garantir que todo o investimento atinja o seu propósito e que realmente se traduza em mais sustentabilidade e mais rendimento para os agricultores.

As orientações internacionais da Organização das Nações Unidas para a Agenda 2030 serviram de pilar ao novo plano estratégico Terra Futura e verificamos que foram assumidos vários compromissos com vista ao cumprimento das metas estabelecidas, o que consideramos ser, de facto, um excelente passo em direção ao caminho certo. Não devemos, nem os nossos governantes podem, permitir que fujamos da rota cujo destino final é a sustentabilidade.

Em 2021, vai dar-se início ao futuro programa-quadro de investigação e inovação da União Europeia, o Horizonte Europa, que vai determinar os financiamentos para o período de 2021-2027. Esperamos que este programa traga continuidade ao que já foi definido durante o Horizonte 2020 e que possa alterar os tipos de financiamentos nacionais e regionais, de modo a que esta ajuda financeira essencial seja aproveitada ao máximo. Deve investir-se em infraestruturas rurais, em serviços de investigação e extensão agrícola para o desenvolvimento de uma agricultura conservadora e regeneradora dos ecossistemas e da (agro)biodiversidade.

Em Portugal, temos verificado também, que a falta de partilha de conhecimento entre a investigação e os agricultores é um dos maiores entraves à evolução técnica e tecnológica que nos permitirá caminhar em direção a uma agricultura mais sustentável. Por isso, a fim de capacitar os agricultores para fazerem escolhas informadas e sustentáveis, é extremamente importante o estreitar de laços com as universidades.

Estender o conhecimento das universidades e centros de investigação a grupos de produtores agrícolas, com indicações dos impactos das suas atividades e recomendações de boas práticas, é basilar para trabalhar numa perspetiva que encare a agricultura como atividade regenerativa dos ecossistemas.

Parece-nos, assim, evidente que, para que este setor possa caminhar para um futuro sustentável, é importante criar estruturas e agentes de políticas públicas que façam com que o investimento em investigação e desenvolvimento seja uma resposta prática às necessidades dos agricultores e que estes tenham acesso a resultados que possam aplicar em soluções aos seus problemas reais.

É prioritário começar a definir e a estruturar os investimentos, reconhecendo a importância dos serviços de extensão rural enquanto ferramenta fundamental na prossecução da mitigação da fome e na promoção de práticas agrícolas sustentáveis.

Este investimento, não poderá servir uma vez mais para nos dar feijões, mas sim para nos ensinar a cultivá-los, ou seja, é importante que existam ajudas a modos de produção mais sustentáveis, mas, ainda mais importante, é dotar os agricultores de ferramentas que os auxiliem na gestão das suas atividades, valorizando a aproximação regenerativa da agricultura e acabando com o conceito erróneo de que: “Precisamos de uma agricultura convencional e exploradora para acabar com a fome no mundo!”. Todos nós já percebemos que esse modelo não funciona, portanto não podemos continuar com os mesmos métodos e esperar por resultados diferentes.

Se, por um lado, temos as ferramentas para inovar e experimentar, bem como o conhecimento teórico e uma base fértil para o desenvolvimento de novas ideias, temos, do outro, a possibilidade de testar novas tecnologias no terreno, na vida real, percebendo o seu funcionamento no mercado e tendo a possibilidade de adaptar estas tecnologias ao cumprimento das metas europeias do Green Deal, tendo em vista o papel da agricultura na descarbonização da economia. Vamos aproveitar as oportunidades e começar a fazer diferente!

Cláudia Brites (Head of Sustainability | ECOINSIDE)

Observador Online – 27 OUTUBRO 2020

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